O ar da Guarda
Já há algum tempo que não comentava a movida social e política da Guarda. É que o silêncio é de oiro. Especialmente quando já se sabe que, por aqui, a célebre máxima* de "O Leopardo" é conta-corrente. O mesmo é dizer: "An Ancient Tale is told"... De resto, os jornais locais têm alimentado copiosamente algumas das telenovelas mais excitantes da paróquia: se a maternidade fica ou não, as eleições na Associação Comercial, o último lance florentino na direcção do Politécnico e por aí fora.
Li recentemente no "Terras da Beira" que uma série de notáveis está indignada com a ausência de um programa de comemorações dos 100 anos da inauguração do Sanatório. Pasmo, senhores, pasmo perante tal leviandade! Hei-se crer que, também para vós, perdere verba leve est? Que jornalismo é este que não procura onde deveria fazê-lo? E mais não digo. Por agora. Na mesma reportagem, a propósito das excelsas virtudes terapêuticas da atmosfera guardense, era referida uma acção conduzida há uns anos pelo NAC, numa das exposições da série "A Memória das coisas", e que consistia basicamente na criação e exibição de pequenos boiões contendo ar da Guarda.** Eis um feliz exemplo de arte pop. Mas cujo aproveitamento para outros fins requer uma estratégia de imagem para a cidade que simplesmente não existe.
Exemplo disto foram as declarações da Vereadora do Turismo, questionada sobre o assunto. Já aqui se falou com algum acinte sobre esta senhora. Relembro aos mais distraídos que a sua aparição triunfal na Câmara Municipal deveria ser evocada pelos poetas como o suave poisar de um anjo saído de um quadro pré-rafaelita: fallaci nimium ne crede lucernae. Ups! O devaneio, embora apropriado, cedo perece diante de nova mensagem, trazida por Mercúrio, apelando à razão: abundans cautela non nocet.
Retomando o fio à meada, ou seja, ao ar da Guarda, a Vereadora faz uma revelação espantosa: a tal ideia, para ser retomada, carecia de uma "remodelação". Como se as boas ideias não valessem por si, especialmente no domínio do marketing! Logo a seguir, en passant, confessa, num arremedo lapalissiano, que "precisamos (suponho que na Câmara) de uma coisa mais pequenina ou maior". Entenderam? Rematou então que "a discussão do assunto ainda não está agendada". Qual assunto? Será o relativo a uma verdadeira promoção da cidade e região, que passa por um conjunto de decisões políticas concertadas e audazes? Será a criação de uma imagem de marca, suficientemente impressiva, distintiva, vendável, que realmente induza nos agentes do mercado, nas instituições e no público em geral uma percepção atractiva da cidade, suportada por elevados índices de qualidade? Ou não será antes que tal "assunto" se tem limitado ao merchandising pindérico com t-shirts, pacotes de açúcar e chocolates?
* É preciso que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma...
** Celebrado, um ano depois, em Dezembro de 2004, com a edição de um caderno colectivo intitulado "Ar Livro" e no qual colaborei. Nessa publicação, num texto a propósito intitulado "Ares da Guarda", escreveu Eduardo Lourenço o seguinte: vendê-los, em casa, imitar como podíamos os eternos Davos-Platz dos outros, oferecê-los aos que sofriam do "mal" de um século em vias de urbanização acelerada, lavar-lhes os pulmões nesse ar ainda não poluído da nossa provincial "montanha mágica". (...) A Guarda não se converteu na cidade onde se vinha a ares. Mas tomou consciência, e a tradição dura até hoje, que os seus "ares" eram, para quem os procurava, uma aposta de vida. Sobre este acontecimento editorial, nem uma linha na referida reportagem.
Li recentemente no "Terras da Beira" que uma série de notáveis está indignada com a ausência de um programa de comemorações dos 100 anos da inauguração do Sanatório. Pasmo, senhores, pasmo perante tal leviandade! Hei-se crer que, também para vós, perdere verba leve est? Que jornalismo é este que não procura onde deveria fazê-lo? E mais não digo. Por agora. Na mesma reportagem, a propósito das excelsas virtudes terapêuticas da atmosfera guardense, era referida uma acção conduzida há uns anos pelo NAC, numa das exposições da série "A Memória das coisas", e que consistia basicamente na criação e exibição de pequenos boiões contendo ar da Guarda.** Eis um feliz exemplo de arte pop. Mas cujo aproveitamento para outros fins requer uma estratégia de imagem para a cidade que simplesmente não existe.
Exemplo disto foram as declarações da Vereadora do Turismo, questionada sobre o assunto. Já aqui se falou com algum acinte sobre esta senhora. Relembro aos mais distraídos que a sua aparição triunfal na Câmara Municipal deveria ser evocada pelos poetas como o suave poisar de um anjo saído de um quadro pré-rafaelita: fallaci nimium ne crede lucernae. Ups! O devaneio, embora apropriado, cedo perece diante de nova mensagem, trazida por Mercúrio, apelando à razão: abundans cautela non nocet.
Retomando o fio à meada, ou seja, ao ar da Guarda, a Vereadora faz uma revelação espantosa: a tal ideia, para ser retomada, carecia de uma "remodelação". Como se as boas ideias não valessem por si, especialmente no domínio do marketing! Logo a seguir, en passant, confessa, num arremedo lapalissiano, que "precisamos (suponho que na Câmara) de uma coisa mais pequenina ou maior". Entenderam? Rematou então que "a discussão do assunto ainda não está agendada". Qual assunto? Será o relativo a uma verdadeira promoção da cidade e região, que passa por um conjunto de decisões políticas concertadas e audazes? Será a criação de uma imagem de marca, suficientemente impressiva, distintiva, vendável, que realmente induza nos agentes do mercado, nas instituições e no público em geral uma percepção atractiva da cidade, suportada por elevados índices de qualidade? Ou não será antes que tal "assunto" se tem limitado ao merchandising pindérico com t-shirts, pacotes de açúcar e chocolates?
* É preciso que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma...
** Celebrado, um ano depois, em Dezembro de 2004, com a edição de um caderno colectivo intitulado "Ar Livro" e no qual colaborei. Nessa publicação, num texto a propósito intitulado "Ares da Guarda", escreveu Eduardo Lourenço o seguinte: vendê-los, em casa, imitar como podíamos os eternos Davos-Platz dos outros, oferecê-los aos que sofriam do "mal" de um século em vias de urbanização acelerada, lavar-lhes os pulmões nesse ar ainda não poluído da nossa provincial "montanha mágica". (...) A Guarda não se converteu na cidade onde se vinha a ares. Mas tomou consciência, e a tradição dura até hoje, que os seus "ares" eram, para quem os procurava, uma aposta de vida. Sobre este acontecimento editorial, nem uma linha na referida reportagem.
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