Boca Dada
(Ready made realizado a partir dos textos publicados nos números 4 e 5 da revista Boca de Incêndio)
Como sempre, para além dos critérios de qualidade, procurámos anjos sem mestre, portadores de mensagens cujo conteúdo já não possuímos. Algo como um fora sem dentro, uma pura exterioridade animada, uma espécie de réplica ao imediato mágico, o qual corresponderia a um dentro sem fora. O trabalho é o ritmo do punho. Para aqueles que passam o tempo a reavivar a sensação de medo para depois – invocando a segurança – a explorarem. Eis enfim o absolutismo da magia. Abrir estas veredas. Criar este espaço, entre as dobras do tempo… Apetecia-me desaparecer sem deixar rasto, deixando uma tabuleta Volto Já para enganar os tolos e os repórteres, a mãe do capuchinho vermelho, os três porquinhos da estória, o presidente de câmara. A coisa estava para quem tivesse sangue frio. Imagens soltas sucediam-se no cérebro, a uma velocidade vertiginosa. Há sempre que contar com a música do acaso, ou melhor, com a cacofonia ensurdecedora do desconhecido. Esta fronte, baixa e apoquentada, agitando pensamentos sombrios… Gatafunhos inacabados, suspensos na própria vida que teoricamente tende para o infinito. Não preciso saber tudo. Apenas o que o frio permite, e é já tanto. Pois, pois Pois, pois O caso é que ninguém sabe. E quando isso acontece já não é pouco. Esperar, permanecer, prolongar, interromper, preparar-se para qualquer coisa, não querer fazer, aborrecer-se com o que se está a fazer. Missa, baile, aula, praia, etc… Maiakovsky disse um dia que há uma zona do espírito humano que não pode ser atingida senão pela poesia, e somente pela poesia que está acordada, que muda. Ora aí está uma coisa que não se pode saber, mas que se pode ver e ouvir. In the background, the music of the people. What beauty! A prostituição é uma das profissões fundamentais, talvez aquela que resume todas as outras. Tormento e beleza. A esperança começava a ser um bem escasso, intermitente. Um adiamento de si própria. Qualquer coisa que nunca poderemos compreender. Assim vai o mundo, os países que para sempre perderam o norte, já sua voz antiga não os ilumina, venenoso vestígio. Todo o arquivo é misterioso, mas nenhum mistério pode ser arquivado. Haverá então que posicionar-se de outro modo. Aonde vais agora? De onde pensavas que vinhas? Ciclica cicatriz manuscrita no corpo. O que é que pedimos aos filmes? Pois, pois. E estivemos a ver o que se passa no filme ou a pensar na nossa avó, quer dizer, a trabalhar o tempo da vida que dizemos ser a nossa? Não sabes aonde ir, já não sabes. E na estação, à chegada, já não há ninguém à tua espera. A indiferença dos deuses é eterna. Não há lugar nem para a história nem para o progresso. O prazo para cruzamentos está esgotado. O puzzle nunca chega a completar-se, por muito que o observemos. E outras coisas mais perigosas existem para além desta escrita ou da sua sombra. Primeiramente, julga-se possuir as suficientes chaves que permitem o acesso ao interior do problema; num segundo momento intui-se que as portas se comunicam umas com as outras, formando um labirinto. Por fim, percebe-se a força do problema sobre a força da sua resolução. Palavra de águia. Finjo uma hipótese entre o não e o sim? A liberdade que a razão desconhece oferece-se a nós ao virar de cada esquina. Era o início da grande viagem, embora a educação deprima as pessoas. Silêncio enfim, absoluto.
Pedro Dias de Almeida (lido pelo próprio na apresentação da revista, em 27.12.2006)
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