Nem grego nem troiano
Foi penoso assistir ontem ao concerto de Sérgio Godinho no Teatro Municipal da Guarda. Precisamente graças ao apreço em que tenho a sua obra e o seu percurso. No palco do Grande Auditório, o compositor/intérprete limitou-se a apresentar uma espécie de karaoke de si próprio. Sem chama, sem rasgo, sem energia, mais parecendo o "avô cantigas" a recordar as suas musiquetas a uma assistência em grande parte desejosa que o acto "cívico" acabasse. "Lembram-se desta?" "E desta?" "Vá, tomem lá mais uma chalaça política para me verem a acreditar que ainda estou em forma"... Por falar nisso, a componente especificamente musical esteve sofrível. A cargo de uma banda constituída por jovens desconhecidos, que se limitou a instrumentar o alinhamento trazido pelo "chefe". O qual se mostrou previsível, banal - com a inclusão de alguns standards ao lado de temas menos inspirados. E deixando de fora muito do que melhor o autor fez, incluindo trabalhos recentes, como por exemplo "O Irmão do Meio". SG dispôs, mesmo assim, de uma oportunidade soberana para marcar a diferença: quando apresentou dois temas a solo, com a sua guitarra, poderia ter prolongado a prestação, forçando um registo mais intimista. Sem entrar na nostalgia, sem correrias pelo palco, sem arranjos duvidosos, mas recorrendo a uma liberdade criativa plena e despojada, ao poder de algumas das suas melhores canções. Seria o momento da epifania, a razão por que este concerto seria por todos recordado com emoção. Não o fez, e, desse modo, deitou tudo a perder.
SG tem um problema sério que, ao que tudo indica, é incapaz de resolver. Ele é o produto, em termos artísticos, de determinadas circunstâncias políticas contra as quais lutou e de outras que ajudou a criar. (Por falar nisso, ainda me recordo de ter participado numa das manifestações realizadas em frente à embaixada do Brasil, quando o cantor foi detido naquele país, em 1982). De há vinte anos para cá tem tentado outros caminhos, é sabido. Mas quanto mais se tenta demarcar da sua imagem de marca, da sua matriz criativa, mais para ela é reenviado. Como se tudo o que produziu depois de "Era Uma vez um Rapaz" adquirisse o sentido de um devaneio desculpável, mas medíocre. Outros músicos da sua geração e cúmplices das mesmas lutas souberam lidar com o desgaste e a usura do tempo de modo diferente. Criando um percurso original, reafirmando a sua singularidade, ampliando a força das suas propostas, mas nunca tentando passar por aquilo que não são. No caso de SG, o seu esforço para inovar tem resultados desastrosos, mais parecendo uma fuga para à frente. Todavia, conseguiu um feito espantoso: não agradar a gregos nem a troianos...
SG tem um problema sério que, ao que tudo indica, é incapaz de resolver. Ele é o produto, em termos artísticos, de determinadas circunstâncias políticas contra as quais lutou e de outras que ajudou a criar. (Por falar nisso, ainda me recordo de ter participado numa das manifestações realizadas em frente à embaixada do Brasil, quando o cantor foi detido naquele país, em 1982). De há vinte anos para cá tem tentado outros caminhos, é sabido. Mas quanto mais se tenta demarcar da sua imagem de marca, da sua matriz criativa, mais para ela é reenviado. Como se tudo o que produziu depois de "Era Uma vez um Rapaz" adquirisse o sentido de um devaneio desculpável, mas medíocre. Outros músicos da sua geração e cúmplices das mesmas lutas souberam lidar com o desgaste e a usura do tempo de modo diferente. Criando um percurso original, reafirmando a sua singularidade, ampliando a força das suas propostas, mas nunca tentando passar por aquilo que não são. No caso de SG, o seu esforço para inovar tem resultados desastrosos, mais parecendo uma fuga para à frente. Todavia, conseguiu um feito espantoso: não agradar a gregos nem a troianos...
Etiquetas: música, sérgio godinho
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