Da castanha, da alquimia da tradição e outros folguedos
Na passada sexta-feira fui a Aldeia do Bispo, no concelho da Guarda, tendo como pretexto a inauguração do Museu da Castanha, que aí teve lugar. A ironia do tema é um pouco amarga. Os extensos soitos que povoavam aquela freguesia hoje mais mais não são do que memória, torsos enegrecidos pelos incêndios que devastaram a zona na última década. O espaço museológico propriamente dito é composto por dois sectores distintos. Uma parte dedicada à arte sacra local e outra em que o fruto da Fagaceae ocupa o centro das atenções. Neste propósito, são exibidos vários utensílios usados na produção, armazenamento e conservação da castanha, acompanhados de informação quanto baste sobre o ciclo natural do fruto, sua importância na alimentação, na economia e no imaginário local.
Como seria de esperar, a aldeia adquiriu uma animação suplementar, incluindo grupos musicais e um pequeno buffet numa colectividade local.
Permanece todavia uma questão com a qual me tenho debatido de há uns tempos para cá: qual a melhor estratégia, em termos criativos, para a tradição popular nas zonas rurais? Que alternativas para a dignificação de uma cultura popular enquanto meio identitário por excelência? Ora, sabe-se que, no nosso país, o mundo rural foi praticamente desmantelado a partir da década de sessenta. O processo, embora desigual e não linear, dá-se vinte anos depois por praticamente concluído. Por isso mesmo, o tema adquire particular importância. Porque as respostas poderão ser várias e nenhuma delas é inocente:
Permanece todavia uma questão com a qual me tenho debatido de há uns tempos para cá: qual a melhor estratégia, em termos criativos, para a tradição popular nas zonas rurais? Que alternativas para a dignificação de uma cultura popular enquanto meio identitário por excelência? Ora, sabe-se que, no nosso país, o mundo rural foi praticamente desmantelado a partir da década de sessenta. O processo, embora desigual e não linear, dá-se vinte anos depois por praticamente concluído. Por isso mesmo, o tema adquire particular importância. Porque as respostas poderão ser várias e nenhuma delas é inocente:
- A restauração etnográfica pura e simples de uma realidade cultural engolida pela História. Embora útil, se rigorosa, deverá ser encarada como um meio e não um fim em si. E além disso complementar de medidas de ordem ambiental. É que a motivação para a recriação de um tipicismo inócuo é quase sempre suspeita. Porque aquilo que realmente se pretende é reconstituir um modelo ideal, um arquétipo do qual as contradições e as injustiças são convenientemente expurgadas.
- Por outro lado, aparece a reconstituição diferida, museológica. Aqui, a identidade cultural procura-se por via da catalogação, do registo, do estudo. Já não se procura uma identidade à custa de um passado salvífico, mas o recurso a ele com fins pedagógicos.
- Mas há ainda uma outra via, esta sem dúvida a mais ousada e exigente: a recriação da tradição. Pode combinar as duas anteriores, mas em vez de um restauro, encara as tradições do mundo rural como ponto de apoio, como inspiração para uma nova linguagem, um novo fôlego criativo. Neste ponto, poder-se-ia afirmar que a tradição já não seria o que era, mas outra coisa que talvez nunca foi. Com o benefício da dúvida, é claro.
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