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Tábua de marés

Ar da Guarda
Exposição colectiva de artistas do concelho da Guarda
Organização: CMG - NAC
Galeria do Paço da Cultura
Entre 17 de Novembro e 3 de Janeiro de 2009


Em Dezembro de 2004, era editado, pelos mesmos organizadores deste evento, um caderno colectivo intitulado "Ar Livro", contendo textos e imagens, e no qual também colaborei. Nessa publicação, num texto a propósito intitulado "Ares da Guarda", escreveu Eduardo Lourenço o seguinte: vendê-los, em casa, imitar como podíamos os eternos Davos-Platz dos outros, oferecê-los aos que sofriam do "mal" de um século em vias de urbanização acelerada, lavar-lhes os pulmões nesse ar ainda não poluído da nossa provincial "montanha mágica". (...) A Guarda não se converteu na cidade onde se vinha a ares. Mas tomou consciência, e a tradição dura até hoje, que os seus "ares" eram, para quem os procurava, uma aposta de vida. Precisamente: encarar, em grande medida, a Guarda como um destino espiritual, uma finisterra purificadora. Sendo o bem mais precioso - o ar – o elemento central deste conceito. E onde os objectivos imediatos, associados às virtudes desse elemento – terapêuticos, turísticos, desportivos, científicos, a ausência de ácaros, segundo me disseram - mais não seriam do que meios para esse objectivo último e que atrás mencionei.
A tentação de classificar o “Ar da Guarda” como marca registada já passou pela cabeça de muita gente. A representação é apelativa, diga-se de passagem. É claro que estamos em presença de um bem que não é escasso, até ver. O que significa que só metaforicamente se chegará à consciência, não tanto dos seus benefícios, pois esses conhecidos sobejamente, mas das suas aplicações, numa visão ampla de longo prazo. Aquilo a que chamaria “Ar da Guarda 2.0”. A imagem de marca para uma verdadeira aposta de vida. Acontece que, nesse sentido, a primeira acção pública e as subsequentes deveriam ter como suporte mais idóneo a arte, ou, mais propriamente, o manifesto artístico. E seria a sua força expressiva que teria que ser usada na linha da frente. E foi exactamente isso que foi feito. A propósito das excelsas virtudes terapêuticas da atmosfera guardense, lembro-me de uma acção conduzida há uns anos pelo NAC, numa das exposições da série "A Memória das coisas", e que consistia basicamente na criação e exibição de pequenos boiões contendo ar da Guarda. Com rotulagem criada para o efeito. Eis um feliz exemplo de arte pop, ao serviço de uma ideia com todas as condições para vingar. E que constitui o antecedente directo da exposição agora patente.
A primeira constatação é de que esta reúne artistas de várias gerações, sensibilidades e dimensão curricular. O que, desde já, me parece a aposta certa, em função dos resultados artísticos desejados. Começando pelo catálogo, tornou-se evidente que cumpriu o que lhe competia. De realçar a qualidade superlativa das fotografias de algumas das obras expostas, as quais francamente favorecem. Relativamente aos critérios seguidos na instalação das obras e sua interacção com o espaço, notei algumas falhas. A mais grave tem a ver com a arrumação das três esculturas na mesma sala. Acontece que qualquer uma delas pressupõe que sejam exibidas de forma personalizada, sem elementos externos que possas perturbar o seu desfrute. Neste caso, a notável instalação de Rui Miragaia obedece a uma lógica diversa das outras obras presentes. E, sobretudo, a iluminação intermitente diminui a percepção destas. Justificava-se, portanto, a sua mostra num espaço individualizado. Por outro lado, notei uma qualidade desigual nos trabalhos expostos. E uma fidelidade também desigual de cada artista àquilo a que habituou o público. Havendo, nalguns casos, uma linha de continuidade e noutros uma ruptura. Por outro lado, se na maioria das obras (incluindo algumas criadas especialmente para a mostra) se nota a dedicação exclusiva ao tema proposto, noutras já isso não é tão claro. O que empobrece, de alguma forma, o resultado final. Por último, e como nota informal, cabe ainda destacar, pela positiva, os trabalhos de alguns dos artistas representados: Carlos Adaixo, Teresa Oliveira, Kim Prisu e, noutro registo, José Vieira, Pedro Renca e Rui Miragaia.

Publicado no jornal "O Interior", em 4 de Dezembro

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