A longa marcha
Em dia de aniversário, é justo falar dos espectros e das correrias sem destino. Acerca dos primeiros, a transitoriedade da sua aparição assusta mais do que comove. O que está mal. É a razão febril mas ainda a razão. Muito mais do que a razão. Privada do oxigénio da esperança, quando a solidão real, fora de qualquer tentação lírica, bate nas vidraças, nesse ambiente rarefeito, acaba por reformular a sua lógica ferida à luz desse instantâneo. "O pior fez-se anunciar, portanto vou ter de abandonar o medo de ver o pior acontecer". Os aniversários são também lugares sem tempo, arrumados no meio da correria. Retomo aqui o que então escrevi por alturas do novo ano. "Algures na vida chega o lugar da gratidão. Por aqueles que nos amaram - poucos, após esticar o balanço com honestidade - por aqueles que não o souberam ou eu não soube, pelos erros que tão bem denunciaram o caminho, pelos outros que não passaram de hesitações, por aqueles que esperaram, divididos entre o orgulho e a queda, pelo consolo da ronda à volta do claustro, pelo fogo que triunfou, por vezes, no cume da insurreição e das sombras, pelas cinzas que foram ficando, pelos caminhos só ainda depois caminhos, pela assembleia de convidados que o vento trouxe e o vento dissipou, pelo orgulho que tudo rasgou, pelos céus de van gogh, pela poeira onde tudo se irá resumir. E brilhar."
Etiquetas: prosas
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