Crónicas da paróquia (2)
O PSD da Guarda, porventura devido ao défice crónico de tema e de credibilidade, lançou uma ofensiva contra a política cultural da Câmara, o TMG e a actividade cultural em geral. O pretexto foi buscá-lo ao espectáculo "Julgamento e Morte do Galo do Entrudo", que encheu a cidade na noite do dia 4. O qual recebeu o aplauso praticamente unânime do público e amplas referências na comunicação social, como se sabe. O tom desta ofensiva já havia sido dado, pela voz da vereadora Ana Manso, que aqui comentei. Todavia, embora tenha discordado dessas declarações, ainda consigo encará-las no contexto da luta política local. Esta campanha, pelo contrário, é das coisas mais estúpidas e ineptas que tenho visto na vida pública. Desdobra-se em dois momentos: um comunicado da estrutura local do partido e declarações do vereador José Gomes à Radio Altitude. Note-se que em momento algum se questiona o figurino, as opções estéticas do espectáculo. É óbvio que isso requereria um tipo de conhecimento e uma honestidade intelectual que escasseiam naquelas bandas. Ou, pelo menos, não se dá por eles. Lido o comunicado e ouvidas as declarações, ficámos a saber o seguinte: o Carnaval de Famalicão é que foi "genuíno, participado e organizado pelas colectividades", portanto um evento "de raiz verdadeiramente popular"; na Guarda, a participação dos cidadãos "limitou-se a assistir a uma coisa que lhe era debitada"; o primeiro foi um exemplo de cultura popular e o segundo um exemplo de "cultura contratada"; a Câmara "deu de bandeja" o espectáculo ao TMG, "para alimentar um monstro"; os grupos locais - "que, não fazendo vida da actividade cultural, conseguem prestações que em nada ficam atrás dos que não sabem fazer outra coisa" - são "esquecidos". Outros exemplos desta verborreia semeada de má-fé podiam ser dados, mas vou ficar por aqui. Tendo em atenção os limites da paciência e da imaginação dos leitores. Pacheco Pereira falava em "estado de estupor", a propósito do momento actual do PSD. Palavras apropriadas para os autores desta campanha, que urge desmentir, em jeito de serviço público. Começo pelos factos, seguindo-se as conclusões.
1º O primeiro espectáculo que recuperou a tradição do "Galo do Entrudo" decorreu em 2001, por iniciativa do NAC. Portanto, não foi o "Todos à Roda" que "teve a ideia".
2º Seguiram-se mais dois espectáculos, em 2002 e 2003, com outra estrutura de produção. Contou com a participação de inúmeras colectividades, entre as quais o "Aquilo Teatro", que na altura dirigia.
3º No ano passado, foi retomada a tradição, sendo o espectáculo produzido pelo "Todos à Roda", por via de uma proposta que apresentou à Câmara.
4º Situação que se manteria este ano, caso esse grupo não tivesse apresentado uma proposta que excedia a disponibilidade financeira da Câmara.
5º A autarquia decidiu então apresentar o projecto ao TMG/Culturguarda, de acordo com o orçamento existente, co-financiado pela Agência para a Promoção da Cidade.
6º O arranque do processo de produção e criação teve lugar um mês antes do espectáculo, o que limitou em grande medida as opções a tomar.
7º O evento contou com a participação de 20 colectividades do concelho, sendo que a totalidade dos actores e dos autores vivem ou são da cidade. Pelo contrário, o Carnaval de Famalicão contou apenas com três colectividades.
8º Como é sabido, fui co-autor do texto e participei como actor no espectáculo em questão. No entanto, de acordo com as luminárias do PSD, não faço parte dos happy few que fazem coisas na Guarda, por sinal as melhores do mundo, segundo a opinião do directório e de quem lha encomendou. Tenho pois dúvidas se não habitarei na Finlândia, ou até mesmo na Cidade do México. O Rui Isidro - também co-autor - provavelmente ainda está em Macau e o dinâmico jornalista que conhecemos da Guarda é, afinal, um holograma. Será que o Vasco Queiroz é um clone do outro, o original, que continua em Coimbra? E o Clube de Montanhismo, veio de Marte? Será que isto foi tudo uma ilusão?
Portanto:
1º Limitando-me aos eventos com maior impacto local, no seguimento da apresentação do "Guarda, Paixão e Utopia" e da evocação histórica do centenário da inauguração do Sanatório Sousa Martins, o TMG ofereceu à cidade e ao público em geral mais um espectáculo de grande qualidade, com padrões profissionais e de que a Guarda tem justos motivos para se orgulhar. E devo dizer que estou à vontade para o dizer, pois as únicas críticas negativas A ESPECTÁCULOS apresentados no TMG que pude ler até agora fui eu próprio que as escrevi neste blogue.
2º A área de intervenção do engenheiro Gomes tem a ver com sinais de trânsito e manilhas de saneamento. Sector fundamental na gestão autárquica, sem dúvida, mas insuficiente para perorar sobre políticas culturais. Talvez o sabor popular que encontrou em Famalicão provenha do cozido à portuguesa distribuído à borla .
3º Segundo o PSD, a qualidade do trabalho produzido pelos grupos locais mede-se por serem... locais. E, logicamente, em nada inferiores ao "que vem de fora". Estas ideias, para além de disparatadas, são perigosas: fomentam a auto-complacência, o autismo, a arrogância e o provincianismo. São o sinal de que a preservação da aurea mediocritas é uma realidade para muita gente na cidade. A actividade cultural, a criação de novos públicos e a própria afirmação de tradições locais nasce da experimentação e da troca. Não se compadece com o isolacionismo, próprio de quem não tem ideias, propostas consistentes ou hábitos de fruição de bens culturais. Ou, quiçá, medo de reconhecer as próprias limitações.
4º Conheço relativamente bem o associativismo local, tendo dirigido o "Aquilo Teatro" durante dois anos. Quer então, quer agora, sempre me bati por um apoio efectivo às colectividades e às criações locais. Todavia, o ênfase dado pelo PSD à "cultura de base popular" padece de uma vacuidade tal que sugere um discurso encomendado por terceiros, para além de se basear nos mesmos pressupostos que apontei no texto anterior sobre este episódio.
5º É claro que o actual modelo de apoio às colectividades merece severas críticas. Para além de exíguo, não promove a qualidade, a formação, a criatividade e muitas vezes dá azo ao favoritismo e à arbitrariedade. A autarquia deveria, em primeiro lugar, fixar um montante que, realisticamente, pretenda afectar ao apoio aos grupos ou criadores individuais. Parte dele, seria atribuído, per capita, com valor igual para todos, destinado a comparticipar as despesas de funcionamento, ainda que exigindo padrões mínimos de actividade. Uma espécie de rendimento mínimo garantido. Em seguida, deveria estabelecer prazos para recepção de projectos artísticos ou formativos e avaliar o seu mérito, tendo em atenção, exclusivamente, o interesse cultural especificamente local, mas também a originalidade e a criatividade. Esses projectos seriam apoiados caso a caso, sendo encorajado o recurso a outras fontes de financiamento e o funcionamento em rede. Tudo isto mediante a celebração de contratos-programa, com duração variável e onde fossem definidas as necessárias contrapartidas.
6º Desta forma se apoiariam com dignidade os agentes culturais de base associativa. Quer as colectividades, quer o público ficariam a ganhar. Em caso algum, com palmadinhas nas costas, ou abusando da condescendência populista. Quem o faz, os políticos medíocres, são mesmo "aqueles que não sabem fazer outra coisa".
7º A mesma força política que, na semana anterior, tanto defendeu uma "gestão equilibrada" da autarquia, vem agora questionar o facto de esta ter legitimamente optado por encomendar o evento por um custo inferior àquele que lhe foi inicialmente proposto. Indo ao ponto de justificar a diferença de preço com a presença de funcionários da Câmara a participar no espectáculo! Note-se que poderia mesmo, com alguma razão, criticar a forma como a autarquia geriu o processo. No entanto, preferiu tomar partido, olhar para o "prejuízo" de uma simples associação, em vez de olhar para o correspondente benefício da comunidade e racionalização dos recursos existentes.
8º Esta apagada e vil campanha do PSD, para além do que demonstra, sugere ainda outras considerações. Sou levado a crer que foi precisamente o êxito do espectáculo que tanto irritou esta gente, directa ou indirectamente. Foram apanhados descalços por uma adesão popular que, de certa forma, lhes usurpou a legitimidade, a representatividade pública. O entusiasmo genuíno e espontâneo da população assusta estas almas. Que não descansam enquanto não o diminuem, ou amesquinham o que o faz irromper.
1º O primeiro espectáculo que recuperou a tradição do "Galo do Entrudo" decorreu em 2001, por iniciativa do NAC. Portanto, não foi o "Todos à Roda" que "teve a ideia".
2º Seguiram-se mais dois espectáculos, em 2002 e 2003, com outra estrutura de produção. Contou com a participação de inúmeras colectividades, entre as quais o "Aquilo Teatro", que na altura dirigia.
3º No ano passado, foi retomada a tradição, sendo o espectáculo produzido pelo "Todos à Roda", por via de uma proposta que apresentou à Câmara.
4º Situação que se manteria este ano, caso esse grupo não tivesse apresentado uma proposta que excedia a disponibilidade financeira da Câmara.
5º A autarquia decidiu então apresentar o projecto ao TMG/Culturguarda, de acordo com o orçamento existente, co-financiado pela Agência para a Promoção da Cidade.
6º O arranque do processo de produção e criação teve lugar um mês antes do espectáculo, o que limitou em grande medida as opções a tomar.
7º O evento contou com a participação de 20 colectividades do concelho, sendo que a totalidade dos actores e dos autores vivem ou são da cidade. Pelo contrário, o Carnaval de Famalicão contou apenas com três colectividades.
8º Como é sabido, fui co-autor do texto e participei como actor no espectáculo em questão. No entanto, de acordo com as luminárias do PSD, não faço parte dos happy few que fazem coisas na Guarda, por sinal as melhores do mundo, segundo a opinião do directório e de quem lha encomendou. Tenho pois dúvidas se não habitarei na Finlândia, ou até mesmo na Cidade do México. O Rui Isidro - também co-autor - provavelmente ainda está em Macau e o dinâmico jornalista que conhecemos da Guarda é, afinal, um holograma. Será que o Vasco Queiroz é um clone do outro, o original, que continua em Coimbra? E o Clube de Montanhismo, veio de Marte? Será que isto foi tudo uma ilusão?
Portanto:
1º Limitando-me aos eventos com maior impacto local, no seguimento da apresentação do "Guarda, Paixão e Utopia" e da evocação histórica do centenário da inauguração do Sanatório Sousa Martins, o TMG ofereceu à cidade e ao público em geral mais um espectáculo de grande qualidade, com padrões profissionais e de que a Guarda tem justos motivos para se orgulhar. E devo dizer que estou à vontade para o dizer, pois as únicas críticas negativas A ESPECTÁCULOS apresentados no TMG que pude ler até agora fui eu próprio que as escrevi neste blogue.
2º A área de intervenção do engenheiro Gomes tem a ver com sinais de trânsito e manilhas de saneamento. Sector fundamental na gestão autárquica, sem dúvida, mas insuficiente para perorar sobre políticas culturais. Talvez o sabor popular que encontrou em Famalicão provenha do cozido à portuguesa distribuído à borla .
3º Segundo o PSD, a qualidade do trabalho produzido pelos grupos locais mede-se por serem... locais. E, logicamente, em nada inferiores ao "que vem de fora". Estas ideias, para além de disparatadas, são perigosas: fomentam a auto-complacência, o autismo, a arrogância e o provincianismo. São o sinal de que a preservação da aurea mediocritas é uma realidade para muita gente na cidade. A actividade cultural, a criação de novos públicos e a própria afirmação de tradições locais nasce da experimentação e da troca. Não se compadece com o isolacionismo, próprio de quem não tem ideias, propostas consistentes ou hábitos de fruição de bens culturais. Ou, quiçá, medo de reconhecer as próprias limitações.
4º Conheço relativamente bem o associativismo local, tendo dirigido o "Aquilo Teatro" durante dois anos. Quer então, quer agora, sempre me bati por um apoio efectivo às colectividades e às criações locais. Todavia, o ênfase dado pelo PSD à "cultura de base popular" padece de uma vacuidade tal que sugere um discurso encomendado por terceiros, para além de se basear nos mesmos pressupostos que apontei no texto anterior sobre este episódio.
5º É claro que o actual modelo de apoio às colectividades merece severas críticas. Para além de exíguo, não promove a qualidade, a formação, a criatividade e muitas vezes dá azo ao favoritismo e à arbitrariedade. A autarquia deveria, em primeiro lugar, fixar um montante que, realisticamente, pretenda afectar ao apoio aos grupos ou criadores individuais. Parte dele, seria atribuído, per capita, com valor igual para todos, destinado a comparticipar as despesas de funcionamento, ainda que exigindo padrões mínimos de actividade. Uma espécie de rendimento mínimo garantido. Em seguida, deveria estabelecer prazos para recepção de projectos artísticos ou formativos e avaliar o seu mérito, tendo em atenção, exclusivamente, o interesse cultural especificamente local, mas também a originalidade e a criatividade. Esses projectos seriam apoiados caso a caso, sendo encorajado o recurso a outras fontes de financiamento e o funcionamento em rede. Tudo isto mediante a celebração de contratos-programa, com duração variável e onde fossem definidas as necessárias contrapartidas.
6º Desta forma se apoiariam com dignidade os agentes culturais de base associativa. Quer as colectividades, quer o público ficariam a ganhar. Em caso algum, com palmadinhas nas costas, ou abusando da condescendência populista. Quem o faz, os políticos medíocres, são mesmo "aqueles que não sabem fazer outra coisa".
7º A mesma força política que, na semana anterior, tanto defendeu uma "gestão equilibrada" da autarquia, vem agora questionar o facto de esta ter legitimamente optado por encomendar o evento por um custo inferior àquele que lhe foi inicialmente proposto. Indo ao ponto de justificar a diferença de preço com a presença de funcionários da Câmara a participar no espectáculo! Note-se que poderia mesmo, com alguma razão, criticar a forma como a autarquia geriu o processo. No entanto, preferiu tomar partido, olhar para o "prejuízo" de uma simples associação, em vez de olhar para o correspondente benefício da comunidade e racionalização dos recursos existentes.
8º Esta apagada e vil campanha do PSD, para além do que demonstra, sugere ainda outras considerações. Sou levado a crer que foi precisamente o êxito do espectáculo que tanto irritou esta gente, directa ou indirectamente. Foram apanhados descalços por uma adesão popular que, de certa forma, lhes usurpou a legitimidade, a representatividade pública. O entusiasmo genuíno e espontâneo da população assusta estas almas. Que não descansam enquanto não o diminuem, ou amesquinham o que o faz irromper.
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