Se o povo gosta...
Várias sombras ponteagudas espreitavam pelas janelas. Lá fora, nem um assomo de agitação. A não ser, a espaços, ruídos secos que pareciam guinchos e detonações. Não, não é o início de um conto de Edgar Allan Poe ou um relato da chegada dos marcianos. São as barracas em construção para as "Festas da Cidade" da Guarda, plantadas desde domingo junto à minha casa. Em qualquer outra localidade onde se realizam festejos desta dimensão, os stands são colocados numa zona construída para o efeito, bem delimitada. Nela coexiste o comércio tradicional, as mostras promocionais, zonas de restauração, estruturas de apoio, zonas de diversão e um palco devidamente equipado (Vd. Feira de S. Mateus, em Viseu). Aqui não. As zonas de diversão espalham-se pela cidade, de forma errática. Os stands são dispostos pelas vias radiais do centro, entravando a mobilidade, minguando o estacionamento e tornando a vida dos moradores num inferno. Em contrapartida, no centro histórico não acontece nada. Aí sim, faria sentido o recurso a estruturas portáteis, a um tipo de animação itinerante, a um verdadeiro comércio de rua. Quanto à programação, ela fala por si: é o que o povo gosta e está tudo dito. Aliás, esse é um debate que já me cansa em particular. Mas felizmente, durante os festejos estarei bem longe, numas praias alentejanas que poderiam ser a porta de acesso ao paraíso. Devidamente acolitado, por supuesto. Pelo meio, uma escapada ao Festival de Teatro Clássico de Mérida. E lamentando a sorte das centenas de intelectuais elitistas guardenses e educadores do povo, que, neste período, não poderão fazer o mesmo.