quarta-feira, 29 de julho de 2009

O desígnio

Soube-se, esta semana, que o cabeça de lista pelo PS no círculo da Guarda será Francisco Assis. O nome foi indicado pela direcção nacional do partido, após uma série de auto-nomeações a que Sócrates terá decidido pôr fim. Desta vez, percebeu-se o porquê da tradição da imposição, pelos directórios dos vários partidos, de cabeças de cartaz na Guarda. Ou seja, actores convidados para um palco que não é o seu e decorando um guião que nunca irão usar. E isto porque as estruturas locais abdicaram de apresentar nomes credíveis, que não resultem de uma cooptação numa sala fechada. Nomes onde pese a competência política, é claro, mas em que a estatura cívica e o dinamismo social não lhe sejam sacrificados. O que acontece, quase sempre, é a notoriedade afirmada em exclusivo nos aparelhos, a simples persistência ou os lances florentinos, virem a ser recompensados com uma sinecura parlamentar. Tudo se passa em circuito fechado. O cobiçado "veludo" passa de mãos em mãos, até que chega a altura de ser disputado. Nesse momento já alguém se apoderou dele sem apelo nem agravo. Portanto, para alcançar a elegibilidade, basta percorrer com êxito uma série de etapas, um conjunto de degraus ziquezagueantes que conduzem, quase de certeza, ao resultado pretendido. Repare-se que, neste processo, o mérito realmente político dos putativos candidatos pouco interessa, mas sim a sua competência "processual" para triunfar internamente. Não admira pois que, sobretudo no caso do PS, a direcção nacional recorra frequentemente aos serviços de figuras de topo, a necessitarem de rodagem e de uma tribuna episódica, para colmatar os Albanos que lhe são sazonalmente apresentados.
O acto eleitoral é o momento supremo onde a é manifestada a vontade contratual dos cidadãos em relação aos seus representantes. Historicamente, pelo menos em Portugal, houve sempre duas formas de adulteração dessa escolha: pelo lado da definição do universo eleitoral e pela subversão dos mecanismos da representação. A ilustrar o primeiro caso, basta referir o sufrágio censitário do liberalismo, a exclusão dos analfabetos da 1º república, pelo PRP, e a contingentação administrativa do recenseamento, durante o Estado Novo. O expediente destinava-se respectivamente, à exclusão dos elementos radicais setembristas, de modo a assegurar o perpétuo girar de cavalheiros das várias facções; à exclusão das massas rurais e do proletariado, afastando-se assim o voto católico e tradicionalista; à fixação de um eleitorado funcionalizado e obediente. Do outro lado, ressalta a inexistência de uma verdadeira responsabilização intuitu personae dos eleitos pelos seus constituintes. Seja qual for o modelo de contabilidade eleitoral seguido. Neste particular, a marcação de audiências periódicas onde os deputados recebem as reclamações dos eleitores do círculo respectivo, como acontece no Reino Unido, parece um cenário de ficção científica. Portanto, é tradição nacional a distribuição dos lugares ser tão errática como a diluição do vínculo representativo.
Francisco Assis estará pois na Guarda, durante a vileggiatura eleitoral. A abnegação com que se dispôs a aceitar o "desterro" é apropriadamente franciscana. Evidentemente, não é o político Assis que está em causa. Até porque demonstrou muita coragem, onde outros não a tiveram, no infâme episódio de Felgueiras. Até porque o próprio confessou a transitoriedade do seu desempenho, afirmando continuar o Porto a ser o seu centro político. Lamenta-se é a Guarda não ter mais nada que "oferecer" às instâncias partidárias decisórias, senão os melhores golpistas da temporada. Deparando-se os eleitores com uns ilustres (?) desconhecidos, recém-empossados em qualquer coisa, em busca da notoriedade pastosa das prebendas da pequena política. Encabeçados, precisamente, pela prestimosa "figura" de circunstância. Muito pouco, na verdade.

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sábado, 11 de julho de 2009

Acabei de efectivar um post sobre a Guarda

Lendo alguns blogues locais e ouvindo algumas opiniões, parece que o exercício da crítica na Guarda se tornou um pecado, digamos, venial. Exigindo-se, implicitamente, uma consensualidade e uma auto-complacência que, normalmente, conduzem ao umbiguismo e ao definhamento adiado. A palavra "parece", que atrás utilizei, não foi por acaso. Claro que ninguém se coíbe de comentar episódios da vida pública. E nem é esse facto que está aqui em causa. O problema está a montante: na desinformação por vezes veiculada pela comunicação social local; na descontinuidade entre a opinião que se tem em privado daquela que, sendo o caso, se tem publicamente (isto porque não existe na Guarda um espaço público plural e esclarecido digno desse nome, prevalecendo a não inscrição de que falava José Gil); a tendência a pessoalizar o debate, onde isso não é de todo aconselhável. Houve uma verdadeira causa em que participei, nos anos da juventude na Guarda, ao lado de muitos outros: a afirmação da modernidade na cidade. Pelos vistos, duas décadas depois, o programa da altura continua a fazer sentido. Podia dar muitos exemplos, mas vou-me cingir a um, por sinal emblemático: o TMG. Na esmagadora maioria das cidades deste país, a existência de uma estrutura daquela qualidade e com uma oferta cultural da envergadura que se sabe, seria motivo de orgulho para todos. Mesmo discordando-se dos padrões dessa oferta. Pois o bom senso e algum brio levariam a concluir que, sem um TMG, a cidade ficaria muito mais pobre e, se calhar, muito mais triste. Na Guarda, infelizmente, não foi isso que sucedeu. Embora dotada de um objecto cosmopolita que a projecta, uma parte dela encara-o com desconfiança. Em parte, graças a uma minoria "qualificada", que o ataca não por razões plausíveis, i.e., discordâncias face ao modelo de programação ou determinado espectáculo, mas como argumento ao serviço da luta política, da concorrência empresarial, ou de simples interesses difusos e agendas pessoais. Ou seja, para alguns cidadãos, sejam eles anónimos ou figuras da vida pública, o TMG ainda não foi internalizado como património da cidade, estabelecendo-se à sua volta um módico de consensualidade e reconhecimento. Outros exemplos poderiam ser dados, como já referi. E todos eles conduziriam ao mesmo diagnóstico. Todavia, existem diferenças entre a forma como o obscurantismo e o ódio à moderninade se estrincheiravam na altura e agora. Se antes o clericalismo e o caciquismo eram alvos certos e cristalinos, agora oa agentes do subdesenvolvimento podem ser encontrados em qualquer lugar. Nuns mais do que noutros, é certo. Só que agora sobrevivem de /e alimentam os pequenos poderes, em lugares-chave, as clientelas renovadas, os sibilinos jogos de influências, as redes de branqueamento e de impunidade. Ou seja, antes actuavam como polícias da moral e agora como agentes de uma administração e de uma economia paralelas. Portanto, nesse acerto da cidade com a contemporaneidade, é caso para dizer: "a luta continua"...

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Imagens da Guarda

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domingo, 5 de julho de 2009

O arraial

Ninguém porá em causa que, na Guarda, existe uma oferta cultural com bastante qualidade. Quer em termos absolutos quer relativos. Mormente aquela que chega por via do TMG. No entanto, apesar de alguma constância ao nível dos públicos, pesa ainda muito o lastro local da relativa ausência de hábitos regulares de fruição cultural e de uma massa crítica participativa e independente. Realidades estruturais que poderão ainda ser vistas sob outros formatos: a inexistência de uma intermediação crítica entre a imprescindível informação, que acompanha os espectáculos e o simples copy/paste dos press release com que os jornais "noticiam" a cultura. Falta pois o meio termo, que neste caso encerra uma virtude inigualável: indicia uma opinião pública descomprometida e esclarecida, mas que não receia sair das torres de cristal onde alguns iluminados se encerram; mostra os sinais de um espaço público dinâmico, sem receio do contraditório, em que várias verdades coexistem e se vão compondo com urbanidade e audácia.

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O teatro dos sonhos

1. Lusco fusco é um termo bem curioso, hermético e intraduzível quanto baste. Daqueles que põe a cabeça em água a um aprendiz da nossa língua, ou a alguém pouco familiarizado com ela . À primeira vista, assemelha-se mais a uma palavra romena ou, até mesmo, a uma cidade azteca. Tecnicamente, designa o período do crepúsculo nocturno. Todavia, parece prolongá-lo, estendê-lo amorosamente, até ao momento em que o dia se faz noite. Uma transição celebrada por poetas, músicos e entusiastas do sobrenatural. E que, embora seja tradicionalmente associada a um fim épico, também pode evocar o início de um ciclo. Ou seja, uma espécie de "raio verde" da luminosidade, onde o encantamento, o desejo ou a invocação formulada se podem prolongar, ao invés do que acontece no momento em que o último raio solar repousa sobre a terra.
2. A Associação Luzku-Fuzku é uma comunidade que desenvolve acções de ordem ambiental, holístico e inclusivo. Está sedeada na Quinta do Dionísio, junto à povoação dos Trinta, concelho da Guarda. Num local privilegiado, o que é dizer pouco. Ou seja, num recanto verdejante do curso do Mondego superior, a montante do açude do Pateiro, ladeado de catanheiros e choupos. No âmbito do projecto "Ecompanhamento", com início em 2008, promoveu a construção orgânica de um "Teatrinho em Fardos de Palha", para além de várias casas de banho e chuveiros ecológicos, de um Yurt e de um retiro em barro. Ora, esse pequeno teatro foi inaugurado no domingo, recebendo a designação de "Salamandra". O programa incluía um percurso pedestre, lanche, tertúlia e uma sessão musical, a cargo de Gustavo Delgado e João Pedro Delgado nos violinos. A actividade teve o apoio do TMG. O edifício, com cerca de 12 m de comprimento e 3 de largura máxima, foi construído com materiais orgânicos: palha, madeira e barro. As paredes são de palha e, no topo, de ripas de madeira. Logo que o vigamento do telhado esteja assente, a palha será rebocada com uma camada de barro, o que melhorará muito a acústica. No lado que dá para o rio, há várias aberturas que fazem lembrar as vigias de uma embarcação. O tecto, muito parecido com o das pequenas igrejas nórdicas medievais, é formado por placas de madeira sobrepostas. No topo do espaço destinado ao palco há um pequeno vitral. Por sua vez, os espectadores, sentados em fardos de palha com um saco de serapilheira em cima, estão dispostos ao longo das paredes, frente a frente. Embora pensado como teatro, o espaço terá, naturalmente, uma utilização polivalente. Podendo servir, para além de outros espectáculos, como local de reuniões, ateliers, projecção de audiovisuais, etc.

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